terça-feira, 14 de abril de 2009

Entrevista do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva com Kürşad Kahramanoğlu



Segue anexo uma entrevista - feita pelo meu querido amigo Kürşad Kahramanoğlu, ex-Secretário Geral da ILGA - com o Presidente Lula.
Essa entrevista fou publicada num jornal turco BIRGUN.
Vejam a pergunta 7, que tem a ver com as questões LGBTs.

Postado por: Beto de Jesus
Secretário da ILGA para América Latina e Caribe


Entrevista do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva com Kürşad Kahramanoğlu


1. Quem seria responsável pela atual crise econômica global?

Antes de tudo, quero lhes dizer da simpatia que tenho pela Turquia e seu povo amável e hospitaleiro.

Todos sabem que essa crise econômica e financeira nasceu nos países centrais. Começou quando uma bolha imobiliária estourou nos Estados Unidos. Os sinais de descontrole financeiro se avolumavam há tempos. Dívidas não saldadas levaram a perdas enormes. Criou-se um círculo vicioso que se alastrou mundo afora, instalando-se uma grave crise que se abateu sobre a economia mundial. Os setores produtivos foram seriamente afetados, trazendo inclusive implicações para países que não têm nada a ver com isso, como é o caso do Brasil e da Turquia.

É claro que a ausência de regras adequadas favoreceu os irresponsáveis especuladores e sua ânsia ilimitada de lucro. A crise é fruto disso. E da falta de mecanismos sérios de regulação dos mercados financeiros. Essa situação mostra claramente que muitas das políticas preconizadas pelos adoradores do mercado fracassaram. Não podemos permitir que situações como essa ocorram novamente. É por isso que precisamos regular esses mercados de maneira inteligente. Estabelecer mecanismos efetivos de vigilância e de regulamentação do mundo financeiro.

Nossa responsabilidade decorre do fato de que a crise traz ameaças concretas para milhões de homens e mulheres, que podem perder emprego e renda. A crise também deixa as pessoas incertas com relação ao futuro. Mas precisamos seguir trabalhando com afinco. Cada um de nós tem sua parcela de responsabilidade para recolocar a economia mundial de volta aos trilhos.


2. Que podem fazer nessa situação os países em desenvolvimento? Que estratégia comum ou ações cooperativas países como o Brasil e a Turquia podem desenvolver, solidariamente, contra esse problema?

Temos de buscar soluções duradouras para as graves dificuldades que estamos enfrentando. Dada a dimensão global da crise, as soluções a serem adotadas precisam ser globais. Hoje, alguns países desenvolvidos estão em situação mais delicada que a de alguns países em desenvolvimento. Não seria exagerado dizer que, de um modo geral, os países desenvolvidos dependem um pouco daquilo que países em desenvolvimento vão fazer. É por isso que chegou a nossa vez nos foros multilaterais. As próximas decisões a serem tomadas pelo G-20, que se reúne em Londres, em abril próximo, representam, para nós, uma oportunidade importante.

Precisamos mudar a forma pela qual a economia global é governada pelas instituições financeiras internacionais. Elas devem ser reformadas sem demora, de modo que cumpram um papel de controle e supervisão das finanças mundiais.

Ao mesmo tempo, temos de assegurar que cada país arque com sua responsabilidade de não transferir riscos e custos a outros países, sobretudo aos mais pobres.

E a comunidade internacional não pode reduzir os programas de ajuda, sobretudo aos países mais pobres. Uma das medidas que poderíamos adotar é a pronta conclusão da Rodada Doha. Ela indicaria a decisão de uma ação global coordenada, que injetaria confiança nos mercados e conteria o surgimento de tendências protecionistas.


3. Que diferença a nova presidência de Obama fará com relação à cooperação e as relações entre os Estados Unidos e o Brasil e o restante da América Latina?

Acompanhamos, com grande interesse, a posse do Presidente Obama e as suas primeiras semanas de governo. É alta a expectativa na região a respeito da “nova página” que o novo governo americano prometeu virar no que diz respeito às relações com a América Latina.

Um dos elementos importantes para o lançamento de uma nova parceria EUA-América Latina seria uma reformulação fundamental da política americana com relação a Cuba. O levantamento do embargo sinalizaria que os EUA estão dispostos a engajar-se no diálogo, aceitar diferenças e renunciar a métodos equivocados e contraproducentes que vêm sendo utilizados por décadas.

No nível bilateral, as relações Brasil-EUA vivem um dos seus melhores momentos. Tenho certeza de que vamos, por exemplo, aprofundar e ampliar a cooperação em matéria de etanol entre nossos países, que beneficiará diretamente países centro-americanos e caribenhos, que têm livre acesso ao mercado americano.

4. Em meu país, é sonho impossível no horizonte visível ter um socialista, menos ainda um líder sindical na Presidência da República. Sei de sua história no Partido dos Trabalhadores e, é claro, sua bagagem no movimento sindical. Como esse “background” preparou-o para os desafios de sua presidência?

A democracia brasileira precisou amadurecer para permitir a eleição para a Presidência da República de um candidato com a minha trajetória de vida. Ao mesmo tempo, o êxito da minha candidatura em 2002 se deu em grande medida por causa da consciência que tivemos da necessidade de atrair outros setores para o nosso tradicional leque de alianças.

Minha experiência político-sindical foi fundamental para construir minha capacidade de negociação e apurar minha visão da necessidade de aperfeiçoar as relações capital/trabalho. Mais importante: era preciso utilizar esses meios para resgatar a dívida social no Brasil. Minha origem humilde deu-me a clareza da absoluta necessidade de erradicar a fome e a miséria não somente no Brasil, mas em todo o mundo.

5. Nos primeiros anos de seu primeiro mandato presidencial, eu lembro-me de assisti-lo em programa de televisão. O senhor disse: “A idéia de crianças irem dormir com fome em meu país é a coisa que me faz mais infeliz”. Depois de quase dois mandatos, o senhor está em condições de garantir que há menos crianças indo dormir com fome no Brasil? O que o senhor diria sobre a maior conquista de sua administração?

Garantir que todos os brasileiros tenham o direito de fazer pelo menos três refeições diárias é um objetivo que me persegue muito antes de ter sido eleito Presidente do Brasil. Nunca me conformei com o fato de o Brasil ser um país tão grande, tão rico, um dos maiores produtores mundiais de alimentos e boa parte de seu povo passar fome. É por isso que a erradicação da fome e da miséria neste país tem sido a prioridade número 1 do meu governo. As políticas de inclusão social que instituímos surtiram efeitos. Os resultados são visíveis: mais de 20 milhões de pessoas deixaram a linha da pobreza e passaram a consumir mais. A maioria da população brasileira é agora de classe média. O povo passou a viver mais dignamente. Em consequência, o mercado interno se fortaleceu. Isso fez com que estivéssemos mais preparados a enfrentar a presente crise internacional. Quero lembrar que temos um programa chamado Bolsa Família que garante uma renda mínima a onze milhões de famílias e que é uma referência em programa de transferência de renda em todo o mundo,

6. Todos sabemos de suas atividades sindicais, inclusive a organização de greves de grande magnitude. O senhor foi dirigente sindical sob o regime militar no Brasil, o qual sufocou as atividades dos sindicatos. No começo e durante seu mandato presidencial, que tipo de tensão tem havido no relacionamento entre o senhor e as Forças Armadas?

Os comandantes das três armas têm plena consciência do papel constitucional das Forças Armadas. Meu relacionamento com eles não poderia ser melhor. Eles respondem ao Ministro da Defesa, que tem feito um trabalho primoroso na área de defesa para reequipar e reestruturar as Forças Armadas. Estamos investindo significativamente na área de defesa. Vamos dar um salto de qualidade. No Brasil, as forças armadas, como cabe numa democracia, obedecem ao poder civil, que emana do voto popular

7. Por que os programas sociais tem estado no topo de sua agenda durante sua campanha eleitoral e reeleitoral? Como é um presidente católico, oriundo da classe trabalhadora fazer dos direitos humanos (inclusive os direitos da comunidade GLBT) questão prioritária?

A resposta é simples: há décadas a maioria da sociedade brasileira esperava um governo capaz de oferecer uma reparação, capaz de tirá-la do abandono a que foi relegada durante tanto tempo. Com esse compromisso cheguei à Presidência, e as ações do Governo têm a orientação de resgatar essa dívida com os brasileiros, em particular com os que são discriminados pelos mais variados motivos.

A discriminação eu conheço nas minhas entranhas, e a minha trajetória pessoal e política é de superação de preconceitos. Nordestino, de origem muito humilde, enfrentei sempre muitas dificuldades para ganhar a vida. Fui o primeiro de oito irmãos a ter um emprego com carteira assinada. Como metalúrgico e sindicalista, num país sob ditadura, experimentei com freqüência a incompreensão e a violência. De preconceitos eu entendo, e os considero a doença mais perversa na cabeça do ser humano.

Por isso, acredito que só com espírito de abertura e uma proposta de reparação, o governante verdadeiramente democrático deve encarar a diversidade do Brasil, que é, na verdade, uma riqueza. Acho que é assim que se governa uma família de 190 milhões de filhos, como o Brasil. Não há filho único: não temos apenas uma religião, uma raça, uma opção sexual. E o convívio em harmonia, na diversidade, é um objetivo a ser buscado todos os dias, por todos nós.

O diálogo aberto com todos os segmentos da sociedade, a atenção prioritária aos excluídos e a melhora das condições de vida do povo brasileiro são provas de que o respeito aos direitos humanos tem lugar assegurado na agenda deste governo, desde o início. Combatemos incansavelmente toda a forma de intolerância, de discriminação e preconceito. Avançamos consideravelmente em matéria de raça e gênero. Nossa administração criou, por exemplo, o programa “Brasil sem Homofobia” e apóia projeto de lei que criminaliza atitudes ofensivas ou discriminatórias em matéria de orientação sexual.

8. Como no Brasil, em meu país engraxar sapatos é o trabalho tradicional dos garotos mais pobres. Como ex-engraxate, o senhor tem alguma mensagem para os muitos engraxates da Turquia?

Quero dizer a eles que, em primeiro lugar, façam seu trabalho bem feito para poderem se orgulhar dele. Todas as atividades profissionais devem ser valorizadas por todos. Em segundo lugar, que não deixem de terminar seus estudos para que mais portas possam se abrir em termos de oportunidades profissionais na vida. Que não desistam nunca de ter uma vida melhor e mais digna para eles e suas famílias.




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